sábado, 2 de outubro de 2010

Literatura de Cordel http://literaturadecordel.vila.bol.com.br


O que é Literatura de Cordel?
Texto de:
Francisco Diniz

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Este texto faz parte do Cd Literatura de Cordel, de Francisco Diniz.
Clique aqui para escutar a música


Literatura de Cordel
É poesia popular,
É história contada em versos
Em estrofes a rimar,
Escrita em papel comum
Feita pra ler ou cantar.

A capa é em xilogravura,
Trabalho de artesão,
Que esculpe em madeira
Um desenho com ponção
Preparando a matriz
Pra fazer reprodução.

Mas pode ser um desenho,
Uma foto, uma pintura,
Cujo título, bem à mostra,
Resume a escritura.
É uma bela tradição,
Que exprime nossa cultura.

7 sílabas poéticas,
Cada verso deve ter
Pra ficar certo, bonito
E a métrica obedecer,
Pra evitar o pé quebrado
E a tradição manter.

Os folhetos de cordel,
Nas feiras eram vendidos,
Pendurados num cordão
Falando do acontecido,
De amor, luta e mistério,
De fé e do desassistido.

A minha literatura
De cordel é reflexão
Sobre a questão social
E orienta o cidadão
A valorizar a cultura
E também a educação.

Mas trata de outros temas:
Da luta do bem contra o mal,
Da crença do nosso povo,
Do hilário, coisa e tal
E você acha nas bancas
Por apenas um real.

O cordel é uma expressão
Da autêntica poesia
Do povo da minha terra
Que luta pra que um dia
Acabem a fome e miséria,
Haja paz e harmonia.

Francisco Diniz
Texto ampliado em 17/11/2007
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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

HISTÓRIAS QUE O POVO CONTA...



LENDAS FOLCLÓRICAS DE MORRO DO CHAPÉU


DEMÉTRIO - Homem que saia do então Grupo Escolar Cel. Dias Coelho, hoje colégio Nossa Senhora das Graças, anão, ao tempo em que ia caminhando em direção ao Mercado Popular ia ficando alto chegando a 10 metros
O BECO QUE FECHA NA QUARESMA – Os moradores mais antigos desta cidade afirmam que na rua Major Pedro Celestino Barbosa, em noites de quaresma, no limiar da meia noite, nenhum homem, mulher ou criança poderia passar por aquela rua, pois a mesma tinha seus becos fechados com a escuridão e ali muitos animais estranhos, vozes, gargalhadas e choros de almas eram vistos e ouvidos, só acabando o tormento quando o sol começava a raiar. Alguns moradores antigos ainda ficam assustados em passar por lá na época da Quaresma.


O CAVALHEIRO DA RUA DO VENTURA – Homem e cavalo invisíveis que passeavam pelas ruas desta cidade, também na madrugada, fazendo com que as pessoas ouvissem as suas pisadas. Sempre surgia pela Rua do Ventura, hoje Nilo Peçanha.

O LOBISOMEM – Estória bem antiga que nas noites da quaresma o bicho preto uivador aparecia para aqueles que andavam na noite, porém no inicio da década de noventa, exatamente no período da quaresma surgiu vários casos de que pessoas tinham sido atacadas por um bicho grande e preto, parecido com um cachorro e logo os boatos que era o antigo lobisomem.


A SEREIA DO PÓ-SÓ – Conta a lenda que havia uma sereia muito linda, com cabelos negros e longos, cobrindo as partes pudendas, com a voz que encantava a todas as pessoas que escutassem o seu canto.
Naquela mata, o Cel. Dias Coelho mandou construir a 1ª caixa d’água de Morro do Chapéu, onde os moradores se abasteciam de água. Entretanto, devido a essa lenda, as meninas e mochilas eram proibidas de frequentar o chafariz para pegar água ou lavar roupa. Não podiam passar nem perto daquela mata a partir das 13:30 h, porque corriam o risco de serem encantadas e levadas para o fundo do poço, onde seriam transformadas em sereias que iram habitar outros poços em outras matas escuras.


O VAQUEIRO DA MATA DO PÓ-SÓ – No passado muito distante quando essa cidade ainda era uma fazenda, um certo vaqueiro tentando pegar uma vaca a qual estava preste do dia de parir, essa tentando escapar do cavalo e seu vaqueiro valente, entrou na mata unida de onde vinha um riacho, em seguida o vaqueiro no seu cavalo. E nunca mais voltaram o vaqueiro não sabia que ali existia um sumidouro, e por ele foi engolido a vaca o cavalo e o vaqueiro. Muitas pessoas dizem já ter ouvido o chocalho da vaca e o aboio do vaqueiro dentro da Mata do Pó-Só.

HISTÓRICO DE MORRO DO CHAPÉU- Márcio Brito.

Vila do Ventura - Morro do Chapéu / BA

Foi o maior centro produtor de diamante da região, possuindo, na década de 1920, cerca de 4.000 habitantes e, inclusive, um teatro e filarmônica. Com a seca de 1932 e alterações no mercado de carbonato, o garimpo entrou em declínio. A decadência da vila foi acentuada com construção de uma nova estrada asfaltada, cujo traçado fica a cerca de 7km. Restam algumas casas e sobrados coloniais em ruína, o calçamento original em pedra e a pequena igreja. Recentemente foi recuperado um belo sobrado.

UM POUCO SOBRE A CIDADE DO FRIO: MORRO DO CHAPÉU



Morro do Chapéu é um município brasileiro do estado da Bahia.
Fundação: 8 de agosto de 1909 (101 anos).

Localiza-se a 384 km a noroeste da capital do estado, na zona oriental da Chapada Diamantina e possui altitude média de 1.100 m. Os pontos de maior altitude podem chegar a 1.350m, sendo, portanto, uma das cidades mais frias do estado com temperaturas beirando os 10°C em algumas épocas do ano.
O clima é tropical de altitude, com a classificação internacional da escala de köppen como Csa com temperaturas amenas, por volta de 18 a 24 °C. No inverno, já foi verificada a temperatura de 5°C, nos horários mais frios.
Suas principais atrações turísticas são a Gruta dos Brejões , Cachoeira do Ferro Doido hoje "MONUMENTO NATURAL" e o Parque Estadual Morro do Chapéu ; são essas 3 áreas de Preservaçao e conservação ambiental. O município também dispõe de outros pontos turísticos, como a Cachoeira do Agreste,Cachoeira de Domingos Lopes com suas trilhas maravilhosas; o Buraco do Possidônio, que no seu interior encontram-se árvores nativas, como o cedro. Cientistas julgam ter sido um meteoro gigante que caiu e abriu essa cratera; o Balneário do Taréco, que tem águas termais e segundo a população são medicinais; o Morrão, morro que deu origem ao nome do município por ter a forma de um chapéu, sendo visto do lado Sul; além de um centro ufológico e a Vila do Ventura.
O município se destaca pelo seu clima, o único desse tipo no Estado da Bahia.
 
Este artigo sobre Municípios do estado da Bahia é um esboço, relacionado ao WikiProjeto Nordeste do Brasil

Literatura de Cordel (1)

Poesia popular característica do Nordeste


Reprodução
Capa do Roance do Pavão Misterioso
Literatura de Cordel é o nome dado às histórias do romanceiro popular do sertão Nordeste do Brasil (em especial Pernambuco, Paraíba e Ceará). A origem do nome "Literatura de Cordel" está em folhetos de impressão precária e expostos à venda pendurados em varais de barbante. O nome vem de Portugal, onde esse tipo de folheto de literatura popular também era produzido. Também eram encontrados em países como Espanha, França, Itália e Alemanha.

Esse tipo de folheto surgiu na Idade Média, por volta dos séculos 11 e 12. Com a invenção da imprensa (1450), essa literatura que até então era oral e recitada por jograis e menestréis ambulantes, passou a ser vendida em folhetos de papel ordinário e preço barato. Surgia, assim, a literatura de folhetos.

Literatura de Cordel no Brasil

A literatura de cordel chegou ao Brasil com nossos colonizadores, instalando-se na Bahia e nos demais estados do Nordeste, onde encontrou um terreno fértil. Por volta de 1750, apareceram os primeiros poetas populares que narravam sagas em versos, visto que a maioria desse povo, sequer sabia ler e as histórias eram decoradas e recitadas nas feiras ou nas praças. Às vezes, acompanhadas por música de violas. Portanto, surgiu também no Brasil, como literatura oral, característica fundamental da cultura popular.

Enfim, foram esses cantadores do improviso, itinerantes, os precursores da literatura de cordel escrita. E verdadeiros repórteres, pois eram eles quem divulgavam as notícias nos lugares mais longínquos, especialmente, os acontecimentos históricos do Brasil, narrados em verso. O fenômeno só despertou o interesse dos estudiosos letrados em fins do século 19, começo do século 20. O poeta paraibano Leandro Gomes de Barros é considerado por esses pesquisadores, o primeiro a imprimir e vender seus versos, por volta de 1890.

Temas da Literatura de Cordel

Na riquíssima literatura de cordel nordestina há uma grande variedade de temas, tradicionais ou contemporâneos, que refletem a vivência popular, desde os problemas atuais até a conservação de narrativas inspiradas no imaginário ibérico (incluída aí a tradição que remonta a invasão da Península pelos mouros). Assim, não é difícil compreender histórias de cavaleiros medievais, nem um folheto como o "Romance do Pavão Misterioso", onde encontramos nítidas influências das celébres "Mil e Uma Noites".

Mas não há limite na escolha dos temas para a criação de um folheto, que tanto pode narrar os feitos de cangaceiros, as espertezas de heróis como João Grilo e Pedro Malasartes ou uma história de amor, ou ainda acontecimentos importantes de interesse público, como o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Também são comuns os temas sobrenaturais, como a chegada de Lampião no Inferno ou a realização de profecias de Antônio Conselheiro. Com o advento dos meios de comunicação de massa, os astros da TV também passaram a aparecer como personagens de cordel.

Meios de comunicação de massa

Por outro lado, rádio e TV, com sua ação padronizadora, foram levando para o sertão os elementos mais característicos da cultura urbana e concorrendo com a literatura de cordel. Porém, se os folhetos hoje não fazem o mesmo sucesso que fizeram em outras épocas, eles ainda não desapareceram e são encontrados também nas comunidades nordestinas que habitam as grandes cidades brasileiras, como Rio e São Paulo.

Métrica e rima

Os folhetos de cordel brasileiros (também chamados "folhetos de feira"), com textos poeticamente estruturados, têm a sextilha (conjunto de seis versos) como estrofe básica, mas há também as septilhas, oitavas e as décimas (respectivamente sete, oito e dez versos, este último também chamado "martelo").

A métrica dos versos é em geral a redondilha maior, ou seja, os versos de sete sílabas, mas sem o rigor que vigora na poesia erudita. Finalmente, têm rimas e vocabulário simples, mas nem por isso perdem - antes ganham - em valor estético. Os folhetos são ilustrados principalmente com xilogravuras, ou seja, gravuras rústicas feitas a partir de entalhes em chapas de madeira. Um exemplo é a capa do "Romance do Pavão Misterioso" que ilustra este artigo.

Por fim, convém lembrar que há produções semelhantes em alguns países da América hispânica, como Argentina, Nicarágua, México, Colômbia, Chile e Venezuela. Todavia, nossos vizinhos denominam sua produção poética de el corrido, e são sempre cantadas.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

ABC do Nordeste flagelado

Antônio Gonçalves da Silva
(Patativa do Assaré)

     A — Ai, como é duro viver
     nos Estados do Nordeste
     quando o nosso Pai Celeste
     não manda a nuvem chover.
     É bem triste a gente ver
     findar o mês de janeiro
     depois findar fevereiro
     e março também passar,
     sem o inverno começar
     no Nordeste brasileiro.
 
     B — Berra o gado impaciente
     reclamando o verde pasto,
     desfigurado e arrasto,
     com o olhar de penitente;
     o fazendeiro, descrente,
     um jeito não pode dar,
     o sol ardente a queimar
     e o vento forte soprando,
     a gente fica pensando
     que o mundo vai se acabar.
 
     C — Caminhando pelo espaço,
     como os trapos de um lençol,
     pras bandas do pôr do sol,
     as nuvens vão em fracasso:
     aqui e ali um pedaço
     vagando... sempre vagando,
     quem estiver reparando
     faz logo a comparação
     de umas pastas de algodão
     que o vento vai carregando.
 
     D — De manhã, bem de manhã,
     vem da montanha um agouro
     de gargalhada e de choro
     da feia e triste cauã:
     um bando de ribançã
     pelo espaço a se perder,
     pra de fome não morrer,
     vai atrás de outro lugar,
     e ali só há de voltar,
     um dia, quando chover.
 
     E — Em tudo se vê mudança
     quem repara vê até
     que o camaleão que é
     verde da cor da esperança,
     com o flagelo que avança,
     muda logo de feição.
     O verde camaleão
     perde a sua cor bonita
     fica de forma esquisita
     que causa admiração.
 
     F — Foge o prazer da floresta
     o bonito sabiá,
     quando flagelo não há
     cantando se manifesta.
     Durante o inverno faz festa
     gorjeando por esporte,
     mas não chovendo é sem sorte,
     fica sem graça e calado
     o cantor mais afamado
     dos passarinhos do norte.
 
     G — Geme de dor, se aquebranta
     e dali desaparece,
     o sabiá só parece
     que com a seca se encanta.
     Se outro pássaro canta,
     o coitado não responde;
     ele vai não sei pra onde,
     pois quando o inverno não vem
     com o desgosto que tem
     o pobrezinho se esconde.
 
     H — Horroroso, feio e mau
     de lá de dentro das grotas,
     manda suas feias notas
     o tristonho bacurau.
     Canta o João corta-pau
     o seu poema funério,
     é muito triste o mistério
     de uma seca no sertão;
     a gente tem impressão
     que o mundo é um cemitério.
 
     I — Ilusão, prazer, amor,
     a gente sente fugir,
     tudo parece carpir
     tristeza, saudade e dor.
     Nas horas de mais calor,
     se escuta pra todo lado
     o toque desafinado
     da gaita da seriema
     acompanhando o cinema
     no Nordeste flagelado.
 
     J — Já falei sobre a desgraça
     dos animais do Nordeste;
     com a seca vem a peste
     e a vida fica sem graça.
     Quanto mais dia se passa
     mais a dor se multiplica;
     a mata que já foi rica,
     de tristeza geme e chora.
     Preciso dizer agora
     o povo como é que fica.
 
     L — Lamento desconsolado
     o coitado camponês
     porque tanto esforço fez,
     mas não lucrou seu roçado.
     Num banco velho, sentado,
     olhando o filho inocente
     e a mulher bem paciente,
     cozinha lá no fogão
     o derradeiro feijão
     que ele guardou pra semente.
 
     M — Minha boa companheira,
     diz ele, vamos embora,
     e depressa, sem demora
     vende a sua cartucheira.
     Vende a faca, a roçadeira,
     machado, foice e facão;
     vende a pobre habitação,
     galinha, cabra e suíno
     e viajam sem destino
     em cima de um caminhão.
 
     N — Naquele duro transporte
     sai aquela pobre gente,
     agüentando paciente
     o rigor da triste sorte.
     Levando a saudade forte
     de seu povo e seu lugar,
     sem um nem outro falar,
     vão pensando em sua vida,
     deixando a terra querida,
     para nunca mais voltar.
 
     O — Outro tem opinião
     de deixar mãe, deixar pai,
     porém para o Sul não vai,
     procura outra direção.
     Vai bater no Maranhão
     onde nunca falta inverno;
     outro com grande consterno
     deixa o casebre e a mobília
     e leva a sua família
     pra construção do governo.
 
     P - Porém lá na construção,
     o seu viver é grosseiro
     trabalhando o dia inteiro
     de picareta na mão.
     Pra sua manutenção
     chegando dia marcado
     em vez do seu ordenado
     dentro da repartição,
     recebe triste ração,
     farinha e feijão furado.
 
     Q — Quem quer ver o sofrimento,
     quando há seca no sertão,
     procura uma construção
     e entra no fornecimento.
     Pois, dentro dele o alimento
     que o pobre tem a comer,
     a barriga pode encher,
     porém falta a substância,
     e com esta circunstância,
     começa o povo a morrer.
 
     R — Raquítica, pálida e doente
     fica a pobre criatura
     e a boca da sepultura
     vai engolindo o inocente.
     Meu Jesus!  Meu Pai Clemente,
     que da humanidade é dono,
     desça de seu alto trono,
     da sua corte celeste
     e venha ver seu Nordeste
     como ele está no abandono.
 
     S — Sofre o casado e o solteiro
     sofre o velho, sofre o moço,
     não tem janta, nem almoço,
     não tem roupa nem dinheiro.
     Também sofre o fazendeiro
     que de rico perde o nome,
     o desgosto lhe consome,
     vendo o urubu esfomeado,
     puxando a pele do gado
     que morreu de sede e fome.
 
     T — Tudo sofre e não resiste
     este fardo tão pesado,
     no Nordeste flagelado
     em tudo a tristeza existe.
     Mas a tristeza mais triste
     que faz tudo entristecer,
     é a mãe chorosa, a gemer,
     lágrimas dos olhos correndo,
     vendo seu filho dizendo:
     mamãe, eu quero morrer!
 
     U — Um é ver, outro é contar
     quem for reparar de perto
     aquele mundo deserto,
     dá vontade de chorar.
     Ali só fica a teimar
     o juazeiro copado,
     o resto é tudo pelado
     da chapada ao tabuleiro
     onde o famoso vaqueiro
     cantava tangendo o gado.
 
     V — Vivendo em grande maltrato,
     a abelha zumbindo voa,
     sem direção, sempre à toa,
     por causa do desacato.
     À procura de um regato,
     de um jardim ou de um pomar
     sem um momento parar,
     vagando constantemente,
     sem encontrar, a inocente,
     uma flor para pousar.
 
     X — Xexéu, pássaro que mora
     na grande árvore copada,
     vendo a floresta arrasada,
     bate as asas, vai embora.
     Somente o saguim demora,
     pulando a fazer careta;
     na mata tingida e preta,
     tudo é aflição e pranto;
     só por milagre de um santo,
     se encontra uma borboleta.
 
     Z — Zangado contra o sertão
     dardeja o sol inclemente,
     cada dia mais ardente
     tostando a face do chão.
     E, mostrando compaixão
     lá do infinito estrelado,
     pura, limpa, sem pecado
     de noite a lua derrama
     um banho de luz no drama
     do Nordeste flagelado.
 
     Posso dizer que cantei
     aquilo que observei;
     tenho certeza que dei
     aprovada relação.
     Tudo é tristeza e amargura,
     indigência e desventura.
     — Veja, leitor, quanto é dura
     a seca no meu sertão.

QUEM FOI PATATIVA DO ASSARÉ


Eu, Antônio Gonçalves da Silva, filho de Pedro Gonçalves da Silva, e de Maria Pereira da Silva, nasci aqui, no Sí­tio denominado Serra de Santana, que dista três léguas da cidade de Assaré. Meu pai, agricultor muito pobre, era possuidor de uma pequena parte de terra, a qual depois de sua morte, foi dividida entre cinco filhos que ficaram, quatro homens e uma mulher. Eu sou o segundo filho.
Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito, ao lado de meu irmão mais velho, para sustentar os mais novos, pois ficamos em completa pobreza. Com a idade de doze anos, freqüentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses, porém sem interromper muito o trabalho de agricultor. Saí­ da escola lendo o segundo livro de Felisberto de Carvalho e daquele tempo para cá não freqüentei mais escola nenhuma, porém sempre lidando com as letras, quando dispunha de tempo para este fim. Desde muito criança que sou apaixonado pela poesia, onde alguém lia versos, eu tinha que demorar para ouvi-los. De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras de noite de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças, etc. Com 16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de improviso, pois naquele tempo eu já improvisava, glosando os motes que os interessados me apresentavam.
Nunca quis fazer profissão de minha musa, sempre tenho cantado, glosado e recitado, quando alguém me convida para este fim.
Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora no estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe, para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho.
Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho de Crato, que era tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo, José Carvalho estava trabalhando na publicação de seu livro “O matuto Cearense e o Caboclo do Pará”, o qual tem um capí­tulo referente a minha pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele estado apenas cinco meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da viola com os cantadores que lá encontrei.
De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação, para ser entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu Salão, onde cantei os motes que me deram. Quando cheguei na Serra de Santana, continuei na mesma vida de pobre agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma numerosa famí­lia, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei de meu pai. Não tenho tendência polí­tica, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da polí­tica falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia.
Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no perí­odo da dentição, em conseqüência da moléstia vulgarmente conhecida por Dor-d’olhos.
Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar a minha roçazinha, só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará.
ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA, Patativa do Assaré.